O Livro
Enquanto o primeiro volume desse épico da fantasia medieval nos apresentava os hobbits e alguns elfos, nesse segundo volume a ação fica principalmente a cargo dos humanos. E enquanto os hobbits são pequenos, algo bobos e muito ingênuos; e os elfos são graciosos, impressionantes e poderosos; os humanos da Terra Média são exatamente isso: humanos.
Na primeira metade do livro somos apresentados aos cavaleiros de Rohan, homens imponentes, senhores dos cavalos e donos de uma terra verdejante e dourada como o telhado do palácio de seu rei em Meduseld. Aragorn, Gimli e Legolas, com a ajuda de um misterioso senhor de branco, terão de ajudá-los antes de serem ajudados na iminente guerra contra o Senhor da Escuridão: nos tempos de guerra as coisas vão mal em Rohan. O rei Théoden pouco faz por seu povo, doente de luto pela morte de seu filho. Seu sobrinho Éomer, tentando substituir seu primo no controle dos exércitos, está foragido por causa de fofocas e intrigas na corte; e sua sobrinha Éowyn tem de se virar para sobreviver dentro da opressora escuridão que se abateu sobre as terras dos Rohirrim.
Enquanto isso, no lustre do castelo, Frodo e Sam encontram o guia mais improvável possível para levá-los até Mordor: o imprevisível e “levemente” esquizofrênico Gollum, que se divide entre lealdade a Frodo pela gentileza com que o trata e ódio por terem roubado dele o Anel de Poder.
Já Merry e Pippin, capturados por Uruk Hai para serem levados até Saruman, encontram-se de repente diante da mais interessante criatura – na minha opinião – de todo o livro: Fangorn, ou Treebeard, ou Barbárvore, dependendo da língua que você use.
Pela primeira vez no livro, vemos batalhas épicas, ação de tirar o fôlego, problemas humanos, uma pitada de romance e personagens tão originais que nem mesmo todas as obras que se basearam no Senhor dos Anéis tentaram imitá-los. Frodo e Sam e Gollum adquirem profundidade incrível, Aragorn é autor de feitos cada vez mais impressionantes – logo nos convencemos de sua real ascendência – e a única mulher a ter parte importante no livro, Éowyn, aparece e começa a mostrar a que veio.
Não só um livro que completa o primeiro, mas um livro que em muitos aspectos o supera.
O Filme
Temos sempre que lembrar que estamos falando de filmes, os quais raramente recebem uma sequência do nível do original – exceções como O Império Contra Ataca e Indiana Jones e o Templo da Perdição devem ser mencionadas – e infelizmente a adaptação do segundo volume de O Senhor dos Anéis sofreu o mesmo fim: não é tão bom quanto o primeiro.
Concordo que é complicado fazer um roteiro sem começo nem fim que se sustente no cinema, e certamente o filme se ressente disso. Por outro lado, a primeira batalha da história é muito bem feita, os Rohirrim são muito bem caracterizados – mostrando ao mundo Karl Urban e a fabulosa Miranda Otto, assim como o veterano e competentíssimo Bernard Hill – os orcs devidamente horríveis e Gollum um primor de tecnologia misturada à interpretação genial de Andy Serkis.
Somos apresentados a Faramir, o irmão de Boromir, que intercepta Frodo e companhia na fronteira de Gondor, e conhecemos mais um ator excelente que O Senhor dos Anéis desencavou.
No fim das contas, o filme ganha nas pequenas cenas, mas perde quando o analizamos como um todo: o roteiro é difícil de entender, o filme é curto demais para tudo o que quer contar (em comparação com seu antecessor, que tinha cenas que pareciam longas demais), e a melhor batalha de todas (ents x orthanc) recebe um tratamento pouco interessante: curtinha, com narração em voice over, logo antes do final.
Uma bela adição à trilogia, que compensa a falta de ritmo com as cenas empolgantes. O filme não deixa nada a desejar em relação ao primeiro e prepara bem o espectador para a próxima e última instância da trilogia.
Livro x Filme
Ok. Vamos primeiro lembrar aos queridos leitores que As Duas Torres é meu livro favorito no mundo inteiro. Certo? Então vai.
Faramir.
Ele é o herdeiro da regência de Gondor, e vive na sombra do irmão Boromir, mas nem por isso deixa de fazer seu dever para com seu pai e seu reino. Comanda o grupo de guerreiros que protege Ithilien das forças do mal, tromba com Frodo e sem querer o ajuda em sua busca.
E ELE É O ÚNICO HUMANO QUE RESISTE O ANEL.
Aragorn, O REI, pede a Frodo que não ofereça o anel a ele, pois seria uma tentação muito grande para resistir, e inclusive o encoraja a se separar da sociedade do anel porque o anel seria, fatalmente, uma influência maligna a todos os membros da comitiva. Boromir, como sabemos, sucumbe à tentação e tenta tomar o anel de Frodo à força. Denethor, o regente de Gondor, coloca muita gente de sua confiança atrás desse objeto de poder, querendo usá-lo contra o inimigo.
E FARAMIR OLHA PARA O ANEL E FALA, “NÃO QUERO”.
Isso não só dá esperança para a raça humana – já que todos os homens que sequer viram o anel tentaram matar todo mundo para consegui-lo – como também coloca Faramir acima ainda de Aragorn, que é não só o humano mais foda, como de linhagem superior a Faramir.
Claro, isso no livro, antes de os roteiristas resolverem acabar com a personalidade dele POR RAZÃO NENHUMA. No filme, ele imita uma fala do Denethor e decide levar Frodo e o Anel para Gondor, para ser usado como arma. Isso vai TOTALMENTE contra a personalidade de Faramir, DESTRÓI completamente o personagem e ainda por cima deixa claro que isso não faz diferença alguma para a trama, já que depois que Frodo, numa cena muito estúpida que inventaram para o filme, tenta ENTREGAR O ANEL A UM NAZGUL (sem comentários) Faramir resolve que, no fim das contas, é melhor deixar Frodo ir embora destruir o anel. Nunca saberemos como que a decisão dele foi afetada por esse ato de imbecilidade extrema de Frodo – que deveria mostrar, se muito, que ele não era confiável perto dos Nazgul (que estavam, tipo, em todos os lugares em volta do caminho que ele teria que fazer).
A aparição de Faramir na história fica totalmente sem sentido quando tirada desse contexto de valor, coragem e honra diante das adversidades e da solução fácil que seria o anel nas mãos de Gondor, e isso contrubui ainda mais para a confusão da trama.
E agora à minha heresia favorita.
Fangorn, ou Barbárvore, como sempre o chamarei, é um Ent. Isso significa que ele é, a princípio, uma árvore que fala, mas na prática é muito mais fascinante e complexo do que isso. Ents são pastores das árvores. São seres antiquíssimos. Tem uma língua própria que lembra o ranger das árvores, e nessa língua tudo demora a ser dito porque o nome de cada coisa é a história dessa coisa – e além disso, eles perdem todo esse tempo falando porque, se eles decidiram falar alguma coisa é porque vale a pena gastar um bom tempo para falar e ouvir.
Entenderam? E aí, quando Merry e Pippin contam a ele do xabú que está acontecendo na Terra Média, ele se irrita, resolve chamar os outros Ents e queimar Saruman com o mesmo fogo que Saruman anda queimando as árvores da floresta. Essas são as melhores cenas do livro – quando os Ents se reúnem e decidem atacar, já que para decidir alguma coisa eles demoram de dias a semanas conversando.
No filme, os Ents falam que as árvores não devem interferir, e que vão esperar toda a guerra acabar porque “árvores não podem fazer nada mesmo”.
De novo, isso vai TOTALMENTE contra a idéia do autor de que Barbárvore é um cara simplesmente lento ao se decidir (lento MESMO, certo, já que é da natureza dos ents serem lentos e cuidadosos ao decidir as coisas), mas que no fim das contas decide esmagar com força todos os orcs que cortam árvores por aí. A cena da “floresta andante” depois da batalha de Helm’s Deep é sensacional, mas para isso não tiveram tempo no filme. Agora, para mostrar Pippin sendo esperto, enganando o ser mais sábio da face da terra e fazendo com que ele tome uma decisão importantíssima em menos de cinco segundos, PARA ISSO ELES TIVERAM TEMPO. Malditos.
Ou seja. No livro ele decide matar todo mundo, mas tendo considerado cuidadosamente os prós e os contras de tal ação. No filme, ele decide NÃO PARTICIPAR, mas depois de uma ceninha, resolve matar todo mundo SEM PENSAR NEM POR UM MINUTO NAS CONSEQUENCIAS.
Sou só eu que vejo isso como um desvio completamtente IDIOTA e DESNECESSÁRIO na personalidade do personagem????? Ódio.
E então temos Haldir. Que já havia causado risadinhas por todos os cinemas do mundo em sua primeira aparição no filme anterior por ser um elfo extremamente… hm. Afeminado.
Mas enfim. Depois de ter acabado com a reputação de todos os elfos da Terra Média, acho que os roteiristas decidiram que seria legal dar mais uma chance para a masculinidade do garoto. Depois de um plot twist completamente desnecessário E incompreensível (como Lórien e Rivendell sabem da batalha de Helm’s Deep??? Como Elrond e Galadriel coneversam??? Os elfos são telepatas??? Haldir trabalha para Lórien E Rivendell?? a comitiva do anel chega em Rohan em semanas, e os elfos em horas. Eles voam???) Haldir morre numa cena idiota que não o deixa mais macho em nenhum sentido.
Por falar em elfos. Depois de tudo o que fizeram para deixar Legolas um arqueiro excepcionalmente fodástico, ele ERRA ao atacar o único orc carregando a tocha imensa para explodir as paredes da fortaleza??? Ele ESPIRROU na hora ou tinha um cisco no olho????? Inferno.
Arwen aparece do nada e vai embora do nada em cenas patéticas, de cílios postíços, lágrimas de cola líquida e sussurros sedutores – para o seu pai. Claro que aos poucos vamos entendendo o propósito dela na trama (peitos), e pelo menos temos uma razão plausível para Aragorn recusar Éowyn tão firmemente… oh, espera! No filme ele acha que a Arwen vai embora para Valinor! Ou seja, NÃO TEM NENHUMA RAZÃO PLAUSÍVEL para que ele recuse os charmes da Éowyn. No livro, pelo menos, SABEMOS que ele tem uma noiva bonitona esperando por ele, então não ficamos (tão) revoltados com o pé que a Éowyn leva.
Eu poderia desfiar décadas as besteiras homéricas que os roteiristas fizeram, e o pior é que muitas delas poderiam ter sido alteradas sem nenhum ônus para o filme. Enfim. Nunca saberemos o porquê dessas mudanças.
Para mim, cujo livro favorito é justo esse, e cujos personagens favoritos são justo esses, foi uma tortura. Helm’s Deep foi legal, claro, e Gollum foi fabuloso, e o Gandalf, e os Rohirrim com tudo mais em Rohan foram perfeitos, bem construídos e ainda por cima fiéis.. Mas isso não compensa o roteiro estúpido e descaracterizado. Queimem o Peter Jackson na mesma fogueira que o George Lucas.